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Beatriz Alves da Silva

Advogada estagiária e Activista

Novilíngua Feminista – Inclusão ou elitismo?

O elitismo e a superioridade intelectual no Feminismo colidem com a própria noção de Feminismo. É uma forma de microagressão que sugere uma hierarquização dentro do movimento e um paternalismo que se soma ao já praticado pelo machismo.

Será que a forma como comunicamos na língua portuguesa é uma forma de violência contra o género feminino? Estarão as mulheres que resistem à utilização da língua inclusiva a compactuar com uma agenda patriarcal? É o que uma certa tendência feminista parece insinuar. Contudo, na sua busca pela igualdade incontestável, comete dois erros: promove a falta de solidariedade feminina ao anunciar que quem não segue a novilíngua – usando um inocente termo orwelliano – está contra o movimento e ignora a ainda presente cisão entre mulheres de classe privilegiada e mulheres de classe média/média-baixa ou analfabeta. É conhecida a táctica feminista de instrumentalizar as mulheres pobres como um meio para obter um fim, pelo que é útil que essa mulher não tenha voz. Todavia, quando a mulher finalmente encontra a sua própria voz, alteram as regras linguísticas e a forma como emprega a linguagem é descredibilizada. Assim, tudo o que aprendeu à custa da sua experiência é reduzido a novas - e não oficiais - regras gramaticais.

Recentemente, Irene Montero reivindicou o uso da palavra “portavoza” em lugar de “porta-voz”, com o objectivo de dar visibilidade às mulheres na luta pela igualdade de direitos em relação ao privilégio dado ao género masculino. Não podemos fingir que seja uma reivindicação nova: na língua inglesa, grupos feministas substituíram o termo “History” por “Herstory” sempre que aplicável à história de mulheres e o próprio Primeiro-Ministro do Canadá corrigiu uma mulher (!), que empregou o termo “mankind”, com o inclusivo “peoplekind”.

Acontece que esta exigência ignora que o substantivo “porta-voz” não tem género – a palavra é neutra e comum a ambos os géneros, sendo que “voz” tem a particularidade de ser uma palavra feminina no espanhol e no português. Reforçar o feminino numa palavra já feminina per se constitui uma redundância.

Ainda que assim o entendamos, não negamos a importância da linguagem e da inclusão do género feminino na gramática, v.g. a palavra “Presidenta”, muito embora exista no dicionário, apenas se tornou popular após a tomada de posse da Presidenta Dilma Rousseff, uma vez que o cargo de Presidente é maioritariamente ocupado por homens – não sendo despiciendo afirmar que, no nosso país, nunca elegemos uma mulher. Nesse sentido, empregar a palavra no feminino é um acto de afirmação política que assume relevância e concede um legítimo poder às palavras. A necessidade de afirmação da mulher num cargo historicamente desempenhado por homens é simbólica, tanto mais se considerarmos a ridicularização a que uma mulher está sujeita sempre que exerce cargos políticos (ou mesmo a mera tentativa). No caso brasileiro, cabe lembrar que a Presidenta foi alvo de comentários sexistas ao longo de todo o mandato.

Semelhante caso é o das palavras “juiz” e “juíza” que sofrem do mesmo problema de pleonasmo, porém justificado. Sucede ainda o oposto: na tentativa de tornar mais credíveis as escritoras do sexo feminino e atribuir-lhes o mesmo selo de qualidade dos colegas masculinos, foi obliterada a palavra “poetisa”, a qual sempre existiu. O argumento de igualdade linguística cai por terra a partir do momento em que alguém decidiu englobar homens e mulheres num substantivo masculino, de forma a designar ambos por “poeta”. Ainda mais chocante se transfigura esta eliminação se considerarmos que a literatura feminina – escrita por mulheres, entenda-se – é largamente menosprezada no meio intelectual e a excelência atribuída ao género masculino. Obliterar as poetisas representa, por assim dizer, um render de armas simbólico.

A novilíngua inclusiva sugere, como alternativas à prevalência dada ao género masculino, a utilização do símbolo “@”, apenas acessível a quem possui um computador, e do supostamente neutro “x”, o qual não se contenta apenas com a deturpação da língua portuguesa como ainda lhe retira beleza – ajuntando-se-lhe o facto de ser impronunciável e desembocar no desnecessário “as e os”, celebrizados no “Portuguesas e Portugueses”, um eco incompreensível do arcaico “Senhoras e senhores, meninos e meninas”.

Estas novas regras, por bem intencionadas que sejam, excluem mais do que incluem. Em primeiro lugar, além da dificuldade da sua compreensão na forma escrita e falada, não inclui deficientes visuais ou auditivos – o leitor de tela usado pelos primeiros não lhes permite ler palavras escritas desse modo -. Do mesmo modo, não inclui pessoas iletradas ou com dificuldades de leitura ou com dislexia. Isto significa que, se removermos estas “minorias”, a linguagem inclusiva é exclusiva dos universitários, ou seja, é academista e elitista por restringir o acesso ao resto das pessoas que não têm os mesmos privilégios. Por último, o argumento da sua inutilidade também pesará: quando escrevemos, por exemplo, “advogadxs”, a nossa mente lê inevitavelmente “advogados”. O esforço empregue na adição de uma consoante acaba por ser em vão.

Não querendo ignorar a evolução constante da língua, resta apelar aos resistentes da novilíngua e às inferiorizadas pelo infame “Cartão de Cidadão”, que sempre existiram, no nosso léxico, alternativas de inclusão. Assim, a solução menos redundante e mais inclusiva passará pela eliminação da referência ao género enquanto plural e/ou pela opção pela neutralidade – como a expressão “pessoas” que terá a virtude de englobar, não somente ambos os géneros, como transexuais e pessoas sem género. Na escrita, e como simplificação, opta-se pela barra inclusiva “o/a”. A opção que foge a polémicas linguísticas é aquela que suprime qualquer referência a género, e a qual tem a vantagem estética e legível, como a letra de “Amar pelos dois”.

 

No entanto, terá sido propositada a exclusão de referências ao género? Não. A intenção era que a canção pudesse ser cantada por qualquer um, cumprindo o propósito mais nobre dos poemas – todos podem lê-lo como seu e serve o propósito de inclusão sem ser forçado. A simples eliminação da referência ao género é mais poderosa e inclusiva do que uma rebuscada e elitista arroba ou um ilegível “x”.

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